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O petróleo é nosso, mas os Lençóis Maranhenses também são

Estamos em um dia de julho de 2009 em Barreirinhas, sede do Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses. Férias. Alta temporada. Centenas de turistas se movimentam pela região. São passeios de lancha pelo Rio Preguiças e de toyota em direção à estonteante paisagem de dunas e lagoas dos Lençóis. São milhares delas, dunas e lagoas, e a água, doce, de um verde-esmeralda eterno. A temperatura da água é superb, diriam os turistas franceses que para cá afluem.

O grupo de turistas se aproxima, de toyota, da Lagoa da Esperança. Começam a escalar a duna. Ansiosos. No alto a visão é extasiante. Os rostos dos turistas exprimem movimentos e contrações que só algo próximo ao divino pode proporcionar. Boquiabertos, eles caminham, rodeiam, se sentam. Falta o fôlego. Não o da subida, que já foi deixada para trás. Admiram em silêncio a jóia esmeralda tão bem guardada entre as colinas de areia branca.

Súbito, indefinido, algo acontece. No meio da lagoa verde-esmeralda parece aparecer um corpo estranho. Negro. Um filete que vai se espraiando pela água, entrevando o paraíso. Uma mancha preta, viscosa, que se alarga, lenta, constante e crescente.

Lágrimas começam a rolar pela face do guia, um menino nascido na região. Acostumado a brincar nas dunas e nadar nas lagoas desde criança. Mudo, ele não consegue articular palavra. Incrédulo, o grupo, em uníssono, se levanta e volta os olhos. Em procissão, cabisbaixos, retornam de onde vieram.

A cena acima aconteceu em julho de 2009. Desde lá Barreirinhas virou uma cidade-fantasma. Os turistas sumiram. O projeto vitrine do SEBRAE virou pó. O mais comentado e festejado apelo do Maranhão vira fumaça. Os folhetos que decantavam os Lençóis nas feiras européias prestam agora somente para papel de embrulho.

Os poços de petróleo que haviam sido abandonados por décadas na região, por baixa produção, voltaram a despertar o interesse da Agência Nacional do Petróleo, e, apesar dos protestos dos ambientalistas, das entidades de proteção ao meio ambiente e do repúdio da sociedade civil esclarecida, foram licitados e autorizados a funcionar. Este, no qual ocorreu o derrame, fica situado ao lado da Lagoa da Esperança.

Filmes, documentários, fotos da região, subitamente ganharam um valor histórico. O petróleo rendeu apenas uma pequena produção, tanto que a Petrobrás nem se interessou e a exploração foi parar nas mãos de empresas menores. Mas o atrativo que não tinha rival no mundo, morreu.

As lágrimas derramadas pelo guia se uniram às lagrimas de muitos mais. Lágrimas de beleza, mas também da morte de uma esperança para as comunidades que viviam do artesanato, lágrimas de brasileiros e estrangeiros que conheceram um dos mais belos paraísos na Terra.

Perde a proposta da repartição da renda, da qual o turismo sustentável é fiador. Ganha a prepotência dos grandes-pequenos, a tirania da matriz energética, e perde o respeito à vida. Tal como as saudosas Sete Quedas, mas num momento em que o turismo brasileiro muito se esforça para ser uma das grandes indústrias do país, e no qual o ecoturismo começa a ser a pedra de toque de nosso turismo. Agora que a nossa cantada megabiodiversidade começa a adentrar as prateleiras e as mentes de cidadãos do mundo, um golpe é assestado em branco e preto.

A decisão é inexplicável. A perda de receitas com o turismo é muito superior à geração de caixa proporcionada pela produção destes débeis poços de petróleo. Some-se a isto a perda natural, intangível e só Deus poderia fazer a conta.